sábado, 12 de novembro de 2016

Trump é o Mal. Hillary é o Bem. Ou: episódio de hoje - As mentiras (ou meias verdades) que nos contam desde muito cedo.

"Não ria, não chore, mas compreenda"
Spinoza

Claro, tá tudo muito complicado. Mas será que não foi sempre assim? E como uma espécie de fuga dizemos a nós mesmos 'antigamente era melhor'. Gosto de máximas, como pôde notar. Acredito que são inspiradoras, cheias de sabedoria e graça em tão poucas linhas. Porém, é preciso entender que 'nem tudo que reluz é ouro'. Acredito que temos nossas convicções, claro. E se você acredita em algo, deve lutar por esse algo. O problema, creio eu, é quando a bendita da convicção fica mais real do que as pessoas. Quando o seu, o meu, o nosso conhecimento é maior do que quem está ao nosso redor. Desumanizar o outro facilita muito nosso trabalho para destruir alguém. Seja destruir fisicamente ou emocionalmente. "Se eu não enxergar esse cara como um monte de merda, eu não posso matar ele", ouvi de alguém que sabia do que falava. E é isso mesmo. Tem que retirar toda e qualquer humanidade do seu 'inimigo', senão, você não conseguiria. Não digo matar, fique tranquilo. Sei que você, eu, nós, somos 'pessoas de bem' e/ou 'da paz'. Jamais seríamos capazes de um ato tão bárbaro, não é mesmo?

Acredito não entendermos que as pessoas no mundo todo estão com medo. E cansadas. Daí essa onda de eleger 'não políticos' ("Ele acreditou!" - Seu Saraiva) E como disse um sábio: "O medo leva a raiva, a raiva leva ao ódio, o ódio leva ao sofrimento". Então, antes de levantarmos nossas vozes para xingar de tudo o que é nome os eleitores de Trump (sim, eu também fiquei triste com a eleição de pessoa tão deplorável em suas falas "A boca fala do que o coração está cheio", disse um tal de Jesus, mas Hillary era outra porcaria. Tipo Aécio e Dilma, na minha opinião), tentemos entender o que houve. Como aqui também, em terra brasilis. Se não entendermos que o diálogo, a diplomacia, a boa vontade são a única maneira de vivermos com dignidade; se não tentarmos entender que nossas diferenças não são defeitos, mas antes aquilo que nos define como humanos e que a utopia não é um lugar onde ninguém briga, ninguém discute ou que não existe 'mal', mas sim um lugar onde a tolerância é a principal característica; se não entendermos que nossas posições, ideológicas, religiosas, anti-religiosas e futebolísticas (!) não nos fazem melhor do que ninguém ("a merda de todo mundo fede do mesmo jeito", me falou um mendigo, certa vez); se ao menos não tentarmos compreender por mais sem sentido, absurdo e infantil que nos pareça o pensamento do outro; se não descermos de nosso pedestal, do alto de nossa arrogância, de nossa mania de achar que somos os mais corretos e inteligentes que adquirimos nas faculdades ou de forma autodidata, ou ainda a arrogância que vem dos templos religiosos, nada vai melhorar. Pelo contrário. E a quem interessa esse clima de medo, desconfiança? Para mim, aqueles que detém o poder econômico e que por sua vez detém quem governa o Estado é o grande interessado. Enquanto sentirmos medo, não iremos raciocinar. Se não raciocinamos, fica mais fácil sermos conduzidos por alguém. E esse alguém nos dá uma falsa esperança, que alimenta, dá força ao medo. É uma droga poderosa o medo. E a esperança também. Um monstro, um Leviatã."Um homem sem esperanças é um homem sem medo" e "quando perdemos a esperança, ganhamos coragem". Frases de obras de ficção pop, como a frase do 'homem sábio'. Por isso elas têm menos peso? Não creio. Posso citar novamente Spinoza: "Não existe esperança sem medo e medo sem esperança".


Creio que simplificar as coisas demais é uma fuga dos fracos. É menosprezar a complexidade da vida, dos fatos. Creio também que limitar o mundo há um ou dois ou três pontos de vista é um atestado de óbito para quem pensa assim. Posso estar errado. É evidente que posso estar errado. Mas continuo nesse mundo, da mesma forma que você, que pensa totalmente diferente de mim. O que fazer? Vamos nos agredir, nos matar? Vamos ao ataque contra quem pensa diferente? Todos que pensam assim dizem e realmente acreditam que 'a verdade está ao seu lado', Elas estão certas, convictas disso. “As convicções são inimigas mais poderosas da verdade do que as mentiras”, disse o filósofo e garoto-enxaqueca Nietzsche. Um outro filósofo e também romancista, dramaturgo, ator e goleiro franco-argelino, Albert Camus, falou sobre um 'individualismo solidário'. Formulou tal pensamento num mundo pós-segunda guerra, num mundo dicotômico onde EUA e URSS se digladiavam, sabotavam, humilhavam e matavam quem não se dobrasse ante a bota totalitária ou ao hambúrguer liberal. Ainda estamos nessa dicotomia. De roupagem nova, é verdade, mas basicamente igual. Creio que Camus quis mostrar que se realmente quisermos, coisas aparentemente incompatíveis podem ser, na verdade, complementares. Temos que ter, ao menos, a noção de que podemos fazer essa escolha. Que há outra ou outras escolhas. Entender algo dá trabalho. E nada garante que, de fato, entenderemos. Mas precisamos tentar.

sábado, 22 de outubro de 2016

Um Conto Urbano

Numa sexta-feira de tarde. Avenida Industrial em Santo André-SP. Na altura do Gran Plaza Shopping, um homem caminha com dificuldade. Parece ser tomado por muita dor. Pára. Olha ao redor. É uma tarde ensolarada, agradável. Muitas pessoas passam por ali. Ele olha ao redor, mas ninguém olha para ele. Sentindo que vai cair, que não tem mais forças em suas pernas, agarra-se à grade de ferro do shopping. E fica ali, parado, de olhos fechados, pensando no que fazer. Sentindo dor. Todos passam por ele.
- Será que ele tá passando mal? (ouve-se a voz de um homem, distante) Ele tá passando mal! (insiste a voz) Ô, vai lá! (continua a voz do homem. Ele mesmo 'vai lá').
- Você tá passando mal? É coração?
- Não, não é coração. São minhas costas.
- Quer que eu chame uma ambulância?
- Não precisa.
E as pessoas passam por eles.
- Senta ali no ponto.
- Eu preciso dar um tempo aqui pras forças voltarem. (ele sente um forte odor de álcool vindo do homem)
- Quer que te segure, uma massagem?
- Não, amigo, não precisa. Obrigado. Só preciso de uns minutos.
Passam os tais minutos. A força volta. Dá para caminhar até o ponto de ônibus e sentar-se no banco. O sujeito prestativo está sentado.
- Senta aqui, cara. Tá melhor? (ele agora se dirige para um casal de idosos que também está no ponto de ônibus) Ele passou mal. ´Cês viram? (o casal o ignora)
- Tô melhor sim, mano. Valeu! Muito obrigado por sua ajuda.
- Que é isso. Você é ser humano. Tava passando mal, eu vi, tinha que fazer o quê? Ajudar, né? (nisso, pega uma garrafa de Fanta misturada com vodka que está dentro de uma sacola plástica do Extra. O homem está alcoolizado)
- Tá certo. (sorri) Prazer. Douglas.
- Anderson. (apertam as mãos)
E as pessoas continuam passando.

terça-feira, 19 de abril de 2016

A História está em nossas mãos

Quando eu era garoto gostava de ouvir que o Lula era do ABC. Eu gostava de ouvir que alguém que lutava pelos trabalhadores vivia na mesma região que eu. Fiquei mais contente ainda quando soube que era nordestino (igual aos meus pais) e muito mais contente quando soube que era de Garanhuns-PE (igual ao meu pai). Mesmo com meu pai não gostando dele. Discutíamos muito sobre isso. De vez em quando, ainda discutimos.
Mesmo bem jovem, acompanhei atento as primeiras eleições diretas pós-ditadura. Fiquei mal com a vitória do 'coronelzinho' Collor de Melo.
Tempo passou.
Em 2002, eu trabalhava na região do centro histórico de Sampa. Acompanhei de perto toda a agitação, a empolgação, em torno da mais que possível vitória do PT para a presidência. Era emocionante! Finalmente, um trabalhador chegava ao poder. Fiquei contente! Ainda não conhecia as palavras de Bakunin: "Exercer o poder corrompe, submeter-se ao poder degrada".

Tempo passou.

A emancipação do povo, a queda das castas, das classes, dá-se, acredito, principalmente, através de conhecimento que, por sua vez, pode gerar sabedoria. Não foi isso que Lula fez. Apesar de avanços na área social (feitos principalmente por termos uma economia estabilizada, graças ao Plano Real do FHC) a coisa não andava. O que deveria ser apenas um primeiro passo (o acertadíssimo Bolsa-Família) tornou-se algo extenso. Se por um lado a (em sua maioria) egocêntrica e tapada classe média brasileira reclamou da assistência que os mais necessitados, de maneira justa, recebiam, esses mesmos necessitados aprenderam que 'melhorar de vida' era ter TV à cabo, ter um carro, ter condições de viajar de avião, ter a possibilidade de comer em um restaurante, mesmo morando na favela. Favela e não esse eufemismo malvado-assimilador-burguês que é o termo 'comunidade'. Mas voltando, O PT fez o verbo ter muito mais presente na vida do povo do que o verbo ser. Sim, eu sei. Há o PROUNI, foram feitas muitas, muitas universidades pelo Brasil. Aqui em Santo André temos a imponente UFABC às margens do quase morto rio Tamanduateí. No meu entender, as Reformas de Base devem vir antes de tudo. E a educação, claro, está entre elas. A questão universitária, para mim, foi uma cortina de fumaça, uma maneira de mostrar ao Brasil e ao mundo que temos muitos universitários (independentemente da qualidade destes). Empreiteiros e donos de universidades privadas agradeceram muito. Não se constrói uma casa sem alicerces, sem BASE. A educação infantil foi deixada de lado também por Lula. Ele também entrou no jogo do 'as pessoas precisam ver para apoiar'. Também entrou no jogo do imediatismo, do '50 anos em 5'. Afinal, um universitário pega seu diploma em três, quatro anos. Já uma criança levará uns nove anos para se formar. Uns nove anos só para se formar! O resultado prático deste tempo de estudos uns vinte, trinta anos. O universitário, logo está com o diploma. Ponto. Missão cumprida. Jango foi deposto pelos golpistas pois lutou até o fim por essas Reformas. Até o fim. Lula, ao contrário, se adaptou ao modo de ser de seus novos amigos: a elite e o mercado. E sobre as Reformas de Base ficarei por aqui, na educação.
Muitos políticos bons, aguerridos, saíram das fileiras petistas: Plínio de Arruda Sampaio, Heloísa Helena, Soninha Francine, Luiza Erundina, Chico Alencar, Marcelo Freixo... Uma boa mostra de que as coisas não iam bem. Uma mostra de que a afirmação de Bakunin tornara-se verdade na vida daquele partido, pois, além de corrompidos, submetiam-se. Aos interesses dos 'burgueses', dos donos da situação, da grana. E 'já não se sabia quem era homem e quem era porco' como escreveu certo visionário britânico.

Tempo passou.

Lula põe em seu lugar Dilma Roussef. Alguém que não tem o mesmo carisma que o ex-presidente, aliás muito longe disso, e, pior ainda, sem a vocação administrativa. Ela continua com a guinada mais pro centro-direita do que pra esquerda. Igual ao seu mentor. Passa seu primeiro mandato colhendo os 'frutos' do padrinho. Reelege-se. Daquele jeito. Do jeito comum da maioria de seus pares políticos: mentindo. Dilma comete um erro que é fatal no meio da bandidagem: faz merda e ainda chama atenção da opinião pública. Com todos os holofotes virados para a Explanada dos Ministérios não dá pra roubar sossegado. Chamar a atenção da polícia, da imprensa é ruim pros negócios. Isso vale pros bandidos de rua e pros bandidos dos palacetes. Pros que roubam à mão armada e pros que roubam com as bênçãos da lei. Quer um exemplo melhor? Vamos lá: numa certa favela próxima de Santo André, um soldado foi morto de forma covarde por um bandido. No momento seguinte da confirmação desta morte a PM 'acampou' na favela. Só sairia dali com o bandido. Vivo ou morto. De preferência, a segunda opção. A PM comunica ao chefe da boca. Este, por sua vez, fez 'seus corre'. Ou seja: pegar o idiota que armou essa situação toda para entregar aos vingativos 'homens da lei'. Só assim a vida na favela voltaria a tranquilidade e os 'negócios' continuariam. Da mesma forma que aconteceu numa favela paulista, aconteceu na capital do Brasil.
Da mesma forma que o assassino foi entregue para ser sacrificado, assim fizeram também com Dilma. O rapaz matou um policial. Dilma, com a bênção de Lula, matou a esperança que um dia parecia ter vencido o medo no ano de 2002. Mas talvez, o martelo tenha sido batido a favor mesmo da queda de Dilma por causa da vitória de 2014. A sociedade conservadora, nas figuras do PSDB, PMDB, DEM, PR e umas legendas de aluguel, já havia aguentado demais a presença do PT. Mesmo não sendo mais o mesmo, ainda era o PT. Ainda era um símbolo poderoso. E símbolos são resistentes, duradouros. Por isso mesmo devem ser destruídos. E nesse caso, graças ao próprio Partido dos Trabalhadores, foi mais simples, como vimos. Pois a estrela vermelha não tinha mais substância. Estava oca. Uma simples casca, frágil e quebradiça. Claro, a mídia teria seu espetáculo. Mesmo sem Boni, a Globo seguiria o seu manual. E os clones da TV carioca seguiriam a matriz. Mais a Veja, a Época (da Globo) e outros. Um espetáculo degradante e, principalmente parcial. Espetáculos que deixaram no camarote tipos como Eduardo Cunha, em Brasília e Geraldo Alckmin aqui em São Paulo.

Tempo passou.

Hoje, dezoito de abril de dois mil e dezesseis, um dia após aquilo que os livros de História poderão chamar de 'A Grande Farsa' temos o PT pagando o preço por aquilo que eu chamo de traição aos seus princípios, de traição de valores, de traição do povo. Posso estar errado, mas durante todo o governo petista nunca se trabalhou a sério para a reforma política, para (de novo) as Reformas de Base. Para se criar mecanismos que fariam com que tipos como aqueles de ontem, se não todos mas muitos, estivessem bem longe daquele lugar que hoje não passa de um bordel de quinta. Não lutaram para quebrar o status quo. Pelo contrário! Alimentaram este demônio do inferno. Permitiram que o PMDB, a puta mais bem paga do Brasil, fizesse 'barba, cabelo e bigode', que nada mais é que vice-presidência da República, presidência da Câmara e presidência do Senado. "Exercer o poder corrompe..." O poder é a droga mais gostosa, mais saborosa, mais inebriante e, a mais perigosa. Poucos não sedem aos seus fascínios. Poucos. A orgia desenfreada à qual o PT se submeteu para alcançar seus objetivos, que, talvez no início, tivesse boa intenção ('de boa intenção'...), não deixou barato. Quando a gente vende a alma ao diabo ele vem cobrar. Mais dia, menos dia. E não acontece um 'deus ex machina'. Não mesmo. Ontem, em nome de deus, o diabo cobrou a dívida do partido. Como bem disse Frei Beto em 2015 para 'O Estado de S.Paulo': "...o PT tende a virar um arremedo do PMDB"; "O partido se afastou das bases sociais. Onde estão os núcleos populares que, nos anos 80, encantavam todas as pessoas que chegavam na zona leste de São Paulo, em uma favela, e a dona Maria, orgulhosamente, mostrava um barracão que era a sede do núcleo do PT? Onde está o trabalho de base, de formação política? (...) hoje me pergunto: onde estão os líderes do PT que, aos fins de semana, voltam para as favelas e periferias? Onde estão os líderes do PT que não tiveram um assombroso aumento de seu patrimônio familiar durante esses anos, a ponto de não se sentirem mais à vontade em uma assembleia de sem-teto, em uma aldeia indígena, em um fim de semana em um quilombola? Onde estão eles? Existem. São raros".
Era só olhar com atenção para ver que o sonho socialista, de uma vida mais digna, justa, igualitária, que surgiu nos anos 80 não existia mais. E ontem, foi dada voz a todos que por ignorância ou por pura maldade tinham ódio, ressentimento, de um partido que, um dia, teve gente do povo.
Hoje, tento não me deixar mais levar por partidos, nem por cultos à personalidade (um desserviço que a URSS e o marxismo ortodoxo fizeram ao socialismo). Acredito em nós, no povo. Acredito que nós, cada um com seu particular, somos capazes sim de criar um mundo justo. Ou, pelo menos, com muito menos injustiças.
Meu olhar de garoto que via um herói na pessoa de Lula, cresceu. Viu que ele é somente um homem. Corruptível como cada um de nós. Mas que teve uma boa ideia, lá atrás. Que agiu bem, lá atrás. Que ele, Lula, passe. Que os princípios permaneçam. Que nós, brasileiros, tomemos nosso destino em nossas mãos! Não vamos 'vender nossa progenitura por um prato de lentilha'.

Tempo vai passando