domingo, 15 de novembro de 2015

Quando a escolha é não ter que fazer uma escolha

Um ladrão quase foi linchado nas ruas do centro do cidade do Rio; o distrito de Mariana, em Minas Gerais, praticamente sumiu de baixo de lama; a cidade de Paris, na França, sofre mais uma vez com atentados terroristas.

Notícias terríveis que, para mim, demonstram facetas terríveis, mas verdadeiras, do ser humano. Vamos tentar ver esses fatos que a princípio não tem nenhuma ligação, mas que, na minha visão, tem sim.
No primeiro, uma demonstração da barbárie. Um quase linchamento de um ladrão, negro, por parte de pessoas comuns que, ao que parece, tentaram, com este ato, fazer justiça, e assim, acabar com a injustiça. Sem dúvida, uma tragédia.
No segundo, mais uma demonstração de barbárie. O rompimento de duas barragens de rejeitos de uma mineradora (Samarco) devastou uma parte da área central do estado de Minas Gerais, matando homens e animais, destruindo casas e o ecossistema. E segue implacável para o estado do Espírito Santo. Sem dúvida, uma tragédia.
No terceiro, outra demonstração de barbárie. Terroristas, extremistas islâmicos, mataram centenas de pessoas em Paris, capital da França. Justificam seu ato como a defesa dos direitos dos muçulmanos e estabelecer o reino de deus na Terra. Sem dúvida, uma tragédia.

Uma coisa que sempre me chama a atenção é a maneira seletiva que temos para eleger aquilo que é mais importante. Obviamente me incluo nesse 'temos'. Acredito, que esse nosso termômetro de relevância esteja intimamente ligado ao que a Imprensa (TV, rádio, jornais e, claro, internet) determina o que é relevante. No 'livre Ocidente', temos livre direito para ler, ver, ouvir, experimentar, vestir e demais verbos de ação desde de que alguém tenha lhe dito como agir. Edwardy Bernays manda um abraço! Com a informação não é diferente. Randolph Hearst manda outro abraço!

A informação, provavelmente, é uma das mais importantes armas, uma das maiores fontes de controle que o Homem tem. Controle sobre quem? Sobre o próprio Homem. Quem tem a informação, controla aquele que irá recebê-la. E aquele que irá recebê-la, torna-se dependente de quem tem a informação. É. Lembra muito a relação traficante-dependente. Mas diferentemente da relação traficante-dependente, nossa relação com quem nos passa as informações pode ser invertida quanto a quem manda, a quem é o dominante. Principalmente em tempos de internet e da chama da mídia alternativa. Claro que não é tão simples. É preciso, antes, libertar-se. E para isso é preciso querer. E para querer libertar-se é preciso saber que está preso. E para saber que está preso é preciso conhecimento. E para obter conhecimento é preciso ir além, muito além da informação que nos chega pela TV, rádio, jornais, internet (por meio de Facebook, blogs ou de uma rápida pesquisa no Google, por exemplo).
A informação que nos chega, não passa de um ponto de vista de quem a passa. Pode estar correta ou não. Pode ser espontânea ou não. Pode servir a interesses, ou não. Uma informação, qualquer que seja, não significa, necessariamente, conhecimento. Como tudo nessa vida, é necessário um tempo para que tenhamos um melhor entendimento das coisas. Não é simples. Desde seu surgimento, a Imprensa torna-se mais e mais veloz. Da mesma forma que o mundo. Que a vida. Tempo é uma palavra cada vez mais fora de moda. Ou melhor, tornou-se um bem precioso. Um conceito distante e inatingível. Parafraseando Cecília Meireles: 'Tempo é uma palavra que o sonho humano alimenta...'
Não há tempo para nada, apesar de o desejarmos. Apesar de entendermos que ele é vital, necessário.
Para se avaliar uma informação é preciso de tempo. Por menor que seja. E a 'ditadura' desses tempos modernos não permite isso. Dia desses, caí nessa armadilha. Vi um post sobre uma feminista extremista e embarquei de primeira nesse barco furado. Na verdade tratava-se de alguém tentando manchar a imagem da feminista (que não é uma extremista). Pisei na bola.

Há um tempo, os linchamentos pelo Brasil causavam furor, indignação, apoio, discussão. Hoje, ao que parece, não mais. Vi essa notícia ocorrida no Rio de Janeiro enquanto assistia à Band News. Imaginei que logo haveria mais discussões sobre linchamentos. Que nada. Fiz uma pesquisa e vi em mais dois sites que compartilham notícias e um de uma rádio gaúcha. E só. No Facebook, não vi nada sobre. Fiquei chocado, mas não surpreso. Afinal, é notícia velha. Era apenas um ladrão, um preto ladrão. As pessoas não se importam mesmo. Virou 'lugar comum'. Não rende. Entenda esse 'rende' como quiser.
Há mais ou menos três semanas, estouraram as barragens em Minas. Uma desgraça sem precedentes. Ouvi sobre, na mesma noite do ocorrido, enquanto ia trabalhar, pela rádio CBN no programa apresentado pela Tânia Morales. O chefe dos bombeiros já alertava sobre o grande prejuízo ambiental (lama tóxica) e claro a perda de vidas humanas e de outros animais. No decorrer dos dias, as notícias apareciam. Porém, com menos frequência e com muito menos ênfase que o necessário. Ouvi jornalistas/radialistas de nome como José Paulo de Andrade, da rádio Bandeirantes, na apresentação do lendário programa 'Pulo do Gato', dizendo que "a investigação sobre possíveis culpados deveria ser deixada para depois e que os cuidados com as vítimas deveria ser a prioridade". Para mim, AS DUAS COISAS devem ser feitas AO MESMO TEMPO. Nada mais, nada menos. Aí sim, houve discussão na internet. Daí, aconteceu Paris.
Novamente, o maldito 'EI' matava pessoas aos montes. Prática comum dos fanáticos. Nem sempre divulgada da mesma forma, sabe? Claro que houve uma grande repercussão, ainda há, sobre essa outra desgraça. As redes sociais só falam nisso. As pesquisas no Google, idem. E este atentado desencadeou a terrível, mas nada nova, bipolarização da internet e, consequentemente, na vida de muitas pessoas.
Como escrevi no começo do texto, esses três fatos são tragédias. São fatos que mostram o inevitável caminho da morte. A morte em si não é o problema. Pois, como você bem sabe, todos morreremos. O problema é que em todos os casos o fator humano, o fator dignidade e o fator 'o que é certo' foram deixados de lado nessa equação. Os três casos mostram, como já disse também, o pior que há em nós. 
  • Como foi mostrado no primeiro caso, somos assassinos em potencial. Basta a circunstância e a motivação (por mais fútil que seja). E nos distanciamos, pois não há empatia com aquele que poderia ter sido morto pelas mãos dos chamados 'cidadãos de bem';
  • No segundo caso, vemos como somos avarentos e altamente gananciosos. Não importam as consequências. O que importa é o lucro. Tanto do corruptor quanto o do corrompido. Em português bem claro, o lucro da empresa (corruptor) e do governo (corrompido). Mas pra dizer a verdade, não sei bem quem corrompeu quem nesse balaio;
  • E no terceiro caso vemos de modo sangrento, como em praticamente toda a História  humana a maneira como o fanatismo religioso nos leva a cometer atos irracionais. E não venha com esse papo de que é 'coisa de muçulmano'. As religiões abraâmicas (não somente elas), através de fanáticos, são ótimas para promoverem esses massacres. A História está aí para mostrar.
  • Quero listar mais uma de nossas piores características. Além de potenciais assassinos, terrivelmente gananciosos e fanáticos religiosos somos também manipuláveis.
Diante disso tudo, dessas informações, talvez você pense: "Mas temos que escolher uma. Infelizmente, é assim. A tragédia tal é maior, mais importante que aquela outra". E eu digo: "Não, não é". Como podemos pesar a importância da vida de um para com a vida do outro? Podemos mesmo fazer isso? Já parou para pensar? E já parou para pensar porque nos impomos esse tipo de questionamento? A quem interessa isso? Por que uns valem mais que outros? Por acaso adotamos, sem contar a ninguém, um dos aspectos mais execráveis do hinduísmo, o sistema de castas? Vamos nos perguntar o porquê esse e não aquele! Agora, não vamos ficar nos atacando, disputando, qual filtro é mais relevante colocar no perfil do Facebook. Que cada um ponha o seu por acreditar que tal fato é relevante, porém sem esquecer que aquele outro também o é. Voltemos nossos olhares, nossa indignação aos que nos abastecem com a droga chamada informação. Essa 'farinha' tá vindo com pó de giz. Não aceite apenas a informação que lhe chega. Ela é uma parte pequena de um todo. E pode ainda estar distorcida pela visão de quem lhe entrega. Junte à informação sua experiência de vida. Por mais jovem que você seja. Tenha uma experiência com as pessoas. Essa experiência se obtêm de muitas formas. Acredito que o relacionar-se com o próximo é uma das formas mais interessantes e eficazes. Relacionar-se com o meio-ambiente também. Mesmo que seja de concreto. Não importa, desde que seja o seu ambiente. Precisamos domar o tempo. Ele não pode estar tão distante de nós. É isso que ELES querem. Se você não tem tempo para nada, logo não terá tempo para pensar. E sem tempo para pensar... Bem, complete a frase. Tenha tempo! Crie tempo! Abra mão de coisas que, se você parar para pensar, não valem a pena. Não de verdade. Acredito que assim, com tempo, podemos analisar, avaliar e então agir da melhor forma possível. Alguém escreveu, um artista de circo, que as coisas que realmente valem a pena nessa vida, levam tempo. E assim, quem sabe, possamos perceber que na verdade não temos que selecionar, que não podemos selecionar. Que há outras escolhas. Que devemos nos unir e não nos dividir. Já diz um antigo ditado: 'o apressado come cru'.
Esse texto está com a minha visão. Não poderia ser de outra forma, acredito. E a sua visão, qual é?



sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Prisma

Não ouço nada. Vejo tudo. Sinto tudo. Não preciso ouvir. Vejo sem olhar. Sinto tudo. Não consigo evitar o golpe dele. Na boca do meu estômago. Na minha cara. De novo. De novo! O gosto de sangue. Meu sangue. Agora não ouço e também não vejo, mas sinto o frisson da plateia. Quando meu sangue cai no ringue eles também sentem. E gostam. Para eles, cada gota que perco é o equivalente a um orgasmo. Por isso estão aqui. Pelo êxtase! Pelo tesão. O meu sangue excita a plateia. O cheiro de nosso suor misturado ao sangue deixa os homens de pau duro e a mulheres ficam com as xotas molhadas. Lindo!

Determinação. Essa é minha vida. Não é? 

Acerto dois golpes nele. No baço. Ele se contrai. Me encara com fúria. A Fúria nos alimenta. ME alimenta!
Que sou eu sem ela? Nada! Um grande nada. Um merda invisível no meio da multidão. Na vida lá fora, as mulheres riem de mim. Os homens me humilham. E não posso fazer nada. É contra 'as regras'. Lá fora, nesse jogo de reis, não passo de um maldito peão! Um escarro, um aborto. 

Mas aqui!... Ah! O ringue é MEU tabuleiro. Aqui eu sou o rei. Aqui EU SOU DEUS! 

As mulheres me desejam, os homens me invejam. As mulheres querem me sentir. Alguns homens também. Eu possuo a todos. Seus corpos (e suas almas) me pertencem. Tanto na foda, quanto no ringue, eu domino a situação. 

Graças à Fúria.

Eu preciso dela!


De seu toque, de seu sussurrar. Quase sinto sua língua em minha orelha... Sinto seu perfume, sua mão pequena e macia passeando por meu corpo, sua coxa roçando na minha. "Ataque!", ela diz. “Eu quero sangue. O sangue dele. Você não quer?” 

"Quero!" 

Então eu ataco meu adversário. ATACO! ATACO! ATACO! Bato com força. Na cara. NA CARA! Quebro seu nariz. Acerto seu estômago. Ele geme. Mas não se rende. Me encara. A Fúria gargalha, mas apenas eu posso ouvir. Sim, eu ouço. Ela geme de modo lascivo. Bato mais e mais na cara de meu oponente. Seu rosto se torna uma massa disforme. Ele cai. Finalmente. Não levanta. Não pode.

Nunca mais.

A Fúria explode num gozo. Se contrai, relaxa. Está saciada. A plateia também. Por hoje. Por mais uma noite. Agora, ouço e vejo a tudo e a todos. Mas não sinto nada. Não posso. É assim que sinto. É assim que vejo.

É assim que as coisas são.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Reflexos

Maldito motorista! Desgraçado mal-educado! - disseram o motociclista, o ciclista e o pedestre.
Maldito motoqueiro! Desgraçado mal-educado! - disseram o motorista, o ciclista e o pedestre.
Maldito ciclista! Desgraçado mal-educado! - disseram o motorista, o motociclista e o pedestre.
Maldito pedestre! Desgraçado mal-educado! - disseram o motorista, o motociclista e o ciclista.

Em meio à gritaria, aos xingamentos e acusações, de repente, pararam.
Olharam melhor aos que estavam de frente para eles. Eram espelhos. Eles olhavam, xingavam... espelhos.
Envergonharam-se. Nada disseram. Foram embora.
Talvez tenham entendido.
Talvez.

sábado, 15 de agosto de 2015

Hoje tem marmelada? Não tem, não sinhô!




Em tempos onde achar graça nas coisas está cada vez mais difícil, onde reina o mau gosto cômico fazendo sempre aquele que é oprimido ser o centro da tal piada, a PM do Paraná, mais uma vez, mostra que o Palhaço está certo. 

Antes de continuar, eu gostaria de dizer que eu acredito nas pessoas. Apesar de tudo. Inclusive nos policiais. Sim! Acredito que são, em sua maioria, vítimas também. Vítimas da ignorância como muitos outros. A ignorância é a maior arma que ELES têm. Sem dúvida. Pois com a ignorância reinando, AQUELES que detém o poder por culpa da ignorância universal (você e eu estamos nessa, viu!) fazem o que bem entendem. Ordenam, comandam, vociferam e assistem tudo do camarote. Ou melhor, dos palácios oficiais. Toda essa ignorância vem lá dos primórdios, na educação (ou a falta de), como bem disse o pedagogo Francisco Ferrer y Guardia que morreu fuzilado por tentar quebrar essa maldita corrente de ignorância através da Escola Moderna, na Espanha. Mas isso é uma outra história.

O ato dos policiais, repito, somente dá total razão ao artista de rua. Os policiais alegam que foram chamados de "palhaços, de seguranças do Beto Richa (Governador do PR)". O Palhaço Tico Bonito, o artista de rua, diz que não usou a palavra "palhaço". No vídeo abaixo, está registrado o momento em que ele diz aquilo que teria feito os policiais entenderem que houve desacato.

 
Eu acredito no Tico. E não acredito que ele usou a palavra "palhaço". Pois esta palavra não é ofensa, não serve para apontar algo que está errado, que seja ruim para as pessoas. 
O Palhaço, creio eu, é aquele que manifesta a poesia, que se torna poesia. Simplesmente por mostrar-se como ele é de verdade. E num mundo tão feio e cinza como o nosso tanta vezes é, ele se torna uma luz de farol para nós que estamos meio que perdidos nesse nevoeiro sujo e espesso. 
Porém, mesmo que o Tico tivesse feito, ou que tenha feito o uso da palavra "palhaço", nada justifica o ato policial. E só pra constar, um policial que fala com o jornalista que está gravando o ocorrido não cita essa "ofensa". Cita as demais. Que não são ofensas. São críticas, coisas bem diferentes.
O militarismo burro que o alto escalão das polícias usa para comandar suas tropas, cria esse tipo de comportamento truculento, inapropriado, exagerado, fora de contexto. A cada dia que passa, especialmente a população das periferias, acredita menos na polícia. Aqueles que comandam essa força que deveria 'servir e proteger' os cidadãos, são pessoas que vivem numa bolha (usando um termo da moda), num eterno desejo de conflito. Bem, um desejo de conflito pros outros (os soldados) e não para eles. ELES ficam em seus gabinetes com ar condicionado. ELES condicionam os soldados que acabam vendo 'inimigos' por todos os lados. Onde já se viu jogar o cavalo pra cima das pessoas? São pessoas! Não são criminosos de alta periculosidade. As pessoas estavam apenas protestando. Não houve ato hostil de ninguém que estava próximo da viatura. Somente o pessoal do Choque agiu de maneira hostil.
Aquele, que para mim, é o maior de todos os palhaços, Charlie Chaplin, era crítico feroz das injustiças sociais, das autoridades. Inclusive da polícia. Acredito que Chaplin é quase uma unanimidade. Mesmo entre policiais.
A polícia querer mostrar autoridade, prendendo o Palhaço, mostrou apenas autoritarismo. A polícia não pode pensar que cidadão é somente aquele que tira foto com ela em passeata (?!) . A polícia tem que ensinar aos policiais autocontrole e não autoritarismo. A crítica do Tico Bonito foi dizer simplesmente que eles serviram como seguranças particulares do governador. Que fazem isso sendo pagos com nosso dinheiro.
Oras! São servidores públicos. Assim como os prefeitos, vereadores, governadores, até que se chegue no ou na presidente. Mas como bem disse o Coronel Nascimento no fim de 'Tropa de Elite 2': - O sistema é foda!. E é. ELE subverte tudo. Aqueles que deveriam nos servir se veem acima de nós e portanto, nós é que temos que servi-los. E nós, como bom gado, concordamos. Acreditamos nisso e nem nos damos conta. ELES subvertem tudo. Subvertem o papel da polícia. Que deveria nos proteger, mas, no final, em geral, protege somente a ELES. E os policiais, assim como nós, não se dão conta. E no fim nos matamos: a polícia nos vê como inimigos e nós os vemos como inimigos. E ELES riem.
Somente quando a ignorância, e com ela a intolerância, for deixada para trás, é que essa realidade poderá ser mudada.
Foi um grande erro esta prisão. Porém, como em muitos casos, em muitos episódios dessa vida, aquilo que vemos é apenas um pedacinho de um enorme todo.
                                                

                                                      Hoje tem marmelada?
                                                      Não tem, não sinhô!
                                                      Hoje tem goiabada?
                                                      Não tem, não sinhô!
                                                      E o Palhaço, o que é?
                                                      É preso, sem saber porquê é!







domingo, 26 de julho de 2015

Conjugar você


As ruas vazias, as casas vazias, os parques vazios. Os shoppings cheios, os condomínios cheios, os ônibus cheios, os carros que enchem. Sim, o saco.

É, sou bem rabugento. O quê que eu posso fazer? E sabe o que é pior? Você não está aqui. Eu tenho andado tanto. Sempre andei, não é? Mas o que posso fazer?! Sabe que estou sempre buscando entender, algum sentido.

Sentido. Eu perdi o meu sem ter você ao meu lado. O tal caminho ficou mais espinhoso, dolorido. Não. Desculpe. É exagero. É... Ha! Ha! Ha! Sou exagerado. Sempre! Exagero nas queixas, nas broncas, na cobrança. Mas também exagero no amor, na doação, na entrega. Lembra? É claro que lembra. Olha como você ficou vermelha. Tão bonita e macia a sua pele. Eu me lembro.

Lembrar. Taí algo que é uma faca de dois gumes. Sem dúvida que as coisas boas sempre estarão lá, no fundo da memória. Aquelas lembranças que te fazem rir em qualquer momento e em qualquer lugar: na fila do pão, na fila do ônibus, na máquina da linha de produção, no escritório ou numa simples caminhada. É tão bom! Sorrir simplesmente por que naquele momento, naquele microssegundo do infinito onde no mundo acontece um monte de coisa ao mesmo tempo (e nem sempre são coisas boas) você pode sorrir por causa de uma lembrança que te traz felicidade. É preciso tão pouco para ser feliz. Ao mesmo tempo, as lembranças podem te cortar, te machucar, te estraçalhar. Já dizia um antigo mestre: - "Memória é foda." - e é mesmo. Imagens que vem rápidas como nesses filmes vagabundos de ritmo clipeiro, enlatados de Hollywood. Ou então (pior, eu acho) lentas, longas, panorâmicas, onde dá pra sentir cada minuto, observar cada detalhe e tirar muitas informações naquele minuto visto, como num filme europeu ou asiático. É lindo, mas dói demais. Tenho vontade de dizer que não quero.

Querer. Eu quero sempre mais e mais! Não posso acreditar que possa ser apenas isso. Não! Não posso e não quero. Eu sou Prometeu e irei até o Olimpo pegar a luz e o calor do fogo libertador. Eu sou Eva e quero ter o conhecimento do Bem e do Mal. Pego apenas aquilo que me foi oferecido. Nada mais. Nada menos. Hah! Que joguinho filho da puta!  Como é mesmo aquela fala em Advogado do Diabo? Ah! Lembrei: - "Olhe, mas não prove. Prove, mas não experimente. Experimente, mas não engula." - está tudo aí. Quando Prometeu foi ao Olimpo, Zeus sabia o que poderia acontecer. Deixar um Titã à solta não poderia dar certo nunca. Para ele, Zeus, claro.  Sinceramente não sei o que Prometeu realmente queria. Se era dar liberdade, autonomia, aos homens ou se simplesmente já maquinava algo contra os olímpicos. Afinal, quem já experimentou o poder nem sempre consegue esquecer. A vaidade, como disse o diabo no filme já citado, é seu pecado favorito além de ser a mais poderosa das drogas.
Por quê tô dizendo isso? Porque desde que te encontrei penso em você. Sinto falta de você. Posso viver sem você? Claro! A questão é que não quero. Entende? Eu não quero, não admito, estar longe de você. Sou um Titã, sou mais eu, mas você é a droga mais potente, mais absurdamente viciante que já experimentei! Percebeu quantas vezes eu disse "você"? Quero te amar.

Amar. Sentir tua boca, teu hálito doce, tua pele cheirosa e macia. Tua língua que invade minha boca sem pedir licença e depois se esparrama pela minha cara. Nunca gostei de fazer apenas sexo. Não. Gosto de fazer amor. De dar e receber da outra pessoa. Não somos coisas. Somos gente e sendo assim dou o meu melhor quando estou com alguém. Me abro pra receber e dou o que tenho. Olhos nos olhos. Os olhos entregam. Você, por exemplo. Quando fazíamos amor (sempre fizemos amor e não sexo) eu era transportado para outra realidade. Um outro mundo se abria para mim. Uma alteração na minha consciência acontecia e de repente eu estava voando! Nós estávamos. Sei que o mesmo acontecia contigo. Não é? Seu sorriso já diz tudo. Não precisa responder. Tudo isso num "simples" olhar, que entregava, que dizia: - "Sou tua. Seja meu!" - Ah! Felicidade! E eu dizia com a alegria tão comum aos garotos: - "Sou teu. Seja minha!" E esse medo que as pessoas têm do olhar? Nossas vidas seriam tão mais proveitosas e ricas com a entrega no olhar. Noto o olhar de tudo e todos. Dos cães e gatos bem cuidados e daqueles que sofrem nas ruas. Da mesma forma, percebo os dois tipos de olhares das pessoas. Mas há uma diferença: o olhar dos animais irracionais é espontâneo e está, de um modo ou de outro, muitas vezes, por conta de fatores externos. O dos chamados animais racionais (eu rio dessa mentira) é fruto, muitas vezes, justamente, dos fatores internos, da falta de espontaneidade. Terrível. Ser espontâneo é um crime... Chega disso! Prefiro falar de nós, que fugimos dessa prisão maldita chamada "faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço". Prefiro falar de nossas pulsações. Sempre estiveram numa mesma batida, num mesmo movimento. O nosso fazer amor era assim: um bailado, uma dança de Laban, pois o nosso fazer amor era "uma experiência básica da existência". Forte, suave, suado, lambido, mordido, gritado, nosso mundo expandido pelo meu pau e pela sua buceta. Por fim, ofegantes, cansados, porém, revigorados, sorriamos um ao outro. Não dizíamos nada. Não era necessário, não é? Nossos olhos marejados já diziam tudo. Davam a medida daquele ato sacro-profano cheio de uma beleza incompreensível. Tenho saudade.

Saudade. Dizem que é uma palavra única, só nossa aqui do Brasil. Que provavelmente foi criada para traduzir a dor que os marinheiros portugueses sentiam por estarem longe de casa. Achei bonito. Vi na Wikipédia. Ha! Ha! Mas o que vale é que essa explicação é realmente bonita. Como você. Tenho tanta saudade!... E você? Também sente? Pode responder. Onde você está? Por favor (nome dela), responda!

Um homem velho, parado em frente a uma lápide, fala com ela, a lápide.

sábado, 6 de junho de 2015

Tempo perdido?







Um dia me perguntaram:
"Já fez o que te pedi? O que te mandei fazer?
Por quê a demora?
Vai levar quanto tempo?"
Daí pensei sobre o tempo.

Ah! O tempo.

O tempo é senhor da vida. E da morte.
Temos que estar sempre atentos ao tempo. Não é assim?
Pois o tempo não espera por ninguém. Dizem.

Mas e se por uma fração de segundo o tempo esperasse por mim?
E se nessa espera, eu pudesse (maravilha!) voltar no tempo?

Uau! O tempo esperando por mim! Acho que nunca ninguém esperou por mim (já, uma vez...).
E mais: o tempo retornando por mim!
Se isso acontecesse eu iria rever algumas coisas:

Aquele ônibus que não peguei,
A resposta que não dei,
A escolha que não tomei,
O soco que não dei,
A "verdade" que neguei,
O beijo que não roubei,
O amor que não declarei.

E também

O sim que declarei,
A porta que abri,
O passo que dei,
O favor que pedi,
O golpe que desferi,
O amor a quem eu disse sim.

Mas pensando bem...
Não faria nada disso.

Pois meus erros e acertos
São o que me definem
Meu orgulho e arrependimento
Estão aqui e ali.
Uma hora ouço um
Outra hora, o outro.
Afinal, como escreveu Kipling
A desgraça e o triunfo são dois impostores.

Portanto, tempo, segue teu rumo. Teu fluxo.
Pois seguirei minha vida.
Seguirei, até o fim.
E além.

sexta-feira, 15 de maio de 2015



Chora, monstro!

Por que ousou tal feito? Não entende que este não é o seu lugar?
Que o teu sentimento não pode ser tolerado?
Quem você pensa que é para demonstrar amor, bondade, tolerância, num mundo disforme, sujo, nojento e sem condições?

Chora, monstro!

Chora e pede clemência. Quem sabe não te matam e através desta clemência (que você não merece!) talvez, assim, finalmente entenda que o ódio, a indiferença, a ganância e o desejar a morte do outro é o normal por aqui.

Chora, monstro!

Ao recordar todos os golpes que tomou, no corpo e na alma.
Dói tanto, não é? 
"Só disse que amava!" 
"Apenas tentei ajudar!" 
"Eu só denunciei um crime que testemunhei!"
"Recusei a oferta de corrupção!"
Você repete a si mesmo numa tentativa patética de se explicar. Hah! Pois saiba, maldito, que ninguém quer te ouvir. Ninguém!

Chora, monstro!

sexta-feira, 1 de maio de 2015

"Você não é uma máquina, não é desprezível. É um homem!"


"Soldados! Não vos entregueis a esses brutais que vos desprezam, que vos escravizam, que arregimentam as vossas vidas, que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois!"

O Grande Ditador, de Charles Chaplin




Todo mundo sabe, todo mundo viu. A PM do Paraná acabou com os professores de seu estado. A PM de S. Paulo é do mesmo jeito, age da mesma forma. A polícia dos EUA mata sem dó os negros. Vira e mexe, a gente vê isso nos documentários. A polícia, e em maior extensão o exército, nada mais é do que o braço armado do governo (da esquerda ou da direita). A polícia. Não o policial. 

Como assim? 

Uma vez, quando manifestações ainda eram coisas, pensamentos distantes, me reuni com um pessoal que estava a fim de protestar contra a corrupção, em S. Paulo. Acho que foi em 2011. Uma meia dúzia de gatos pingados. Mesmo. Mas uma coisa me chamou a atenção (negativamente) no discurso da moça que estava à frente da coisa toda. Ela disse: "Não esqueçam, policial é inimigo!". Não concordei. Na época, pensava que os policiais também eram trabalhadores, assim como nós. Que eram apenas mais uma parcela da massa. Enganada, ludibriada, levada a SER não o que deveria SER, não o que é (SER humano), mas antes, SERviçais sem escolha. Componentes de uma engrenagem que não pode parar. Que põe na sua cabeça que se você não SERvir por SERvir, não SERve pra nada. É descartado. 

SER ou não SER? Eis a questão.

O caso é que ainda penso assim. Que, como disse um líder comunitário de uma favela do Rio, o problema não é o policial, o homem, mas sim a instituição. 

Ah, as instituições. Os lugares que nos programam. E você aí, todo pimpão, acreditando que domina seu querer, que come aquilo que quer. Até dá para fazer isso (dominar seu querer) mas não é fácil. 

Sabe a manipulação que sofremos com propagandas, com a mídia (espero que sim)? Com os policiais é a mesma coisa. Uma bordagem diferente, mas com o mesmo objetivo. Por isso não digo que policial é inimigo. Não é. Acredito que há dois tipos de policiais: aquele que tem vocação guerreira, marcial, que acredita que pode fazer a diferença pelas armas e aquele que entrou por falta de opção de um outro trabalho. O segundo caso, acredito, é o mais comum. O primeiro, exceção. Daí já é detectado um grande problema (semelhante ao que acontece na segurança privada): qualquer um entra ou pode entrar. Lembrando que tudo isso ocorre pois a sociedade não se importa. Só quando nos convém, quando a coisa vem pro nosso lado. Afinal, pimenta no cu do outro...

Escrevo isso para tentar dar uma ampliada no contorno, no todo.  

De volta ao Paraná, 17 Homens (com h maiúsculo) se recusaram a combater, ou melhor, massacrar professores. Cidadãos que pagam seus impostos e consequentemente seus salários. Entenderam que são, assim como muitos professores, funcionários públicos. Que devem SERvir (por escolha) à população e não oprimi-la. Que o "forte" protege o "fraco". Que foram treinados e armados para combater, atacar, criminosos. Tiveram a clareza para entender que professor não é "inimigo". O inimigo é esse conjunto maligno que forma e põe tipos como o Richa no poder (o sufrágio universal não funciona). Que forma uma elite cujo mérito é o poder político e econômico e não o intelectual, o humano. Uma desgraça para o povo que, muitas vezes não se dá conta ou simplesmente não liga, pois, em geral, almeja ser igual a tal elite (mas essa é outra história).

A desobediência desses 17 Fortes mostra que há sim a possibilidade de mudar as coisas. Que alguém precisa mostrar que não somos inimigos (policiais e nós). Que existe um (ou uns) titereiros em cima de nós todos. Pesando, massacrando. Mas que jamais poderão estar acima, pois são pequenos demais pra isso. Assim que tivermos a verdadeira noção de quem somos e do que podemos fazer e paramos de agir feito crianças mimadas fechadas em seu egocentrismo. 

Gandhi mostrou como a não-ação pode ser a maior das ações. Se o Estado reprime, usando o policial (bucha de canhão), por que não podemos fazer o contrário? Pois para ELES nada mais somos do que gado pro abate, peças com reposição fácil e barata. Baratas. É isso que somos para ELES.

Li a notícia sobre os 17 Fortes em uns três sites. Dedicaram apenas um parágrafo a eles. Por que? Não é relevante tal notícia?  Acredito que seja. A quem interessa que tal fato seja rapidamente esquecido? Qual seria a consequência de uma maior repercussão dessa desobediência entre outros policiais, militares, entre civis?

O que poderia acontecer?


terça-feira, 21 de abril de 2015

Eu: binário



É pobre? Então, está errado.
É rico? Então, está certo.
É homossexual? Então, é promíscuo.
É evangélico? Então, é fundamentalista.
É umbandista? Então, deus me livre!
É policial? Então, é assassino.
É criminoso? Então, tem que morrer.
É morador de rua, mendigo? Então, é preguiçoso.
É de direita? Então, é idiota.
É de esquerda? Então, é idiota.
É uma pessoa que não é nem de direita, nem de esquerda? Então, é... idiota!
É mulher e deu no primeiro encontro? Então, é puta.
É homem e não comeu quando a mulher quis? Então, é viado.
É gordo? Então, é relaxado
É magro? Então, tem que malhar.
É do tipo que não gosta de sair de casa aos fins de semana? Então, não aproveita a vida.
É do tipo que sai todo fim de semana e não tem hora pra voltar? Então, é um perdido.
É monogâmico? Então, é possessivo.
É daquele que prefere relacionamento aberto? Então, não gosta de ninguém.
É um homem que admite a todos que ama a mulher? Então, é corno.
É uma mulher que não quer casar? Então, tem problema.
É dos EUA, da Europa? Então, presta.
É do Brasil? Então, não presta.

É uma pessoa que pensa diferente, que diverge da maioria, que acredita haver um meio termo? Que acredita que na vida nem tudo se resume em certo ou errado, em preto e branco? Que há outras vias, outras formas de pensar, de viver? 
                                         
                                     ENTÃO, FIQUE LONGE DE MIM!