segunda-feira, 2 de abril de 2018

Na linha do trem. Entre vidas.

Olhos. 

Olham para outros dois olhos. Há intensidade nesses quatro, quando fazem contato. 
Na banalidade da vida, foi encontrado um momento. Um bom momento. *Nada é banal! Céu nublado. Concreto e ferro, na linha de ferro.
Apesar de tudo, estas vidas têm porque sorrir, (sempre?) com suas mãos entrelaçadas. Um símbolo consistente em tempos onde medo do outro, medo de si, são o normal (até quando?). Eu me comovo ao ver olhos sorrirem. Claro! Vivemos egoísmo institucional, desespero religioso, urgência, (ou) necessidade (i)racional em ser, por exemplo, vendedor dentro do trem.

Vender paçoca para tentar pôr arroz e feijão no próprio prato. E ESTÁ TUDO BEM?!

Além dos quatro olhos sorridentes e mais maduros, há mais quatro, menores e idênticos entre eles. Dois pares de olhinhos, atentos, ligeiros, que apontam o futuro. Um futuro. Eles recebem atenção, ternura, daqueles seres de mãos entrelaçadas.

Cheguei na minha parada. Então, paro. Eles seguem. Meus olhos viram tudo isso, todos eles. A imagem, todas elas, fica.

sábado, 11 de novembro de 2017

O que é progresso, evolução? Alex Murphy, a Diretiva 4 e Sofia: para onde vamos?

Em Dubai, nos Emirados Árabes, estão desenvolvendo policiais-robôs. A princípio, farão apenas trabalhos burocráticos. Porém, logicamente, a ideia é que logo, façam o trabalho de um policial comum, um policial humano. 

É impossível eu não me lembrar de ROBOCOP (falo do clássico da ficção científica de 1987 dirigido por Paul Verhoeven e que sofreu enorme influência da obra-prima dos Quadrinhos, BATMAN - O CAVALEIRO DAS TREVAS, de 1986, escrita e desenhada por Frank Miller e arte-finalizada por Klaus Janson, e não da fraquíssima refilmagem de 2014). Impossível não lembrar da robotização, endurecimento e falta de humanidade que tentaram impôr ao policial da cidade de Detroit (EUA) Alex Murphy. Para quem não conhece a história, um breve relato: após ser massacrado com requintes de sadismo por um grupo de ladrões de banco (e um tanto mais de crimes no currículo) e dos médicos tentarem reanimá-lo sem sucesso e o declararem clinicamente morto, uma empresa privada, a OCP (Omni Consumer Products), responsável, entre tantas outras coisas, produtos e também pela terceirização da cidade de Detroit em um futuro distópico não específico, toma posse legalmente do corpo do policial. Tornam-no um ciborgue. Apagam sua memória. Seus atos, sua vontade, agora pertencem à OCP. 

Alex Murphy não é mais um homem, ele é um produto, uma máquina, uma coisa.

Como toda máquina, todo computador, ele não raciocina livremente. Ele cumpre de maneira lógica seus atos a partir de comandos pré-estabelecidos Estes comandos eram chamados de 'diretivas' e eram quatro:

Diretiva 1 - servir à população
Diretiva 2 - proteger os inocentes
Diretiva 3 - cumprir a lei
Diretiva 4 - confidencial

Neste ponto, fica mais clara a profundidade deste 'blockbuster' hollywoodiano. Afinal, o que é a confidencial Diretiva 4? Pois bem. Esta diretiva, implantada no cérebro do Robocop sem o conhecimento da equipe de cientistas que desenvolveram o ciborgue, foi um tipo de carta-coringa lançada pela OCP em caso de possíveis problemas com seu 'produto'. Ela impede que Robocop tente, por qualquer que seja o motivo, prender um funcionário do alto escalão da mega-empresa. Lembrando também que o próprio Robocop não sabe do que se trata tal diretiva. Ou seja, a Diretiva 4 é um meio que busca ser definitivo de controle.
Em determinado momento do filme, quando Robocop tenta prender o vice-presidente da OCP, a Diretiva 4 entra em ação automaticamente e logo, o policial entra em terrível colapso, perde quase que totalmente o controle do próprio corpo e cai, parecendo sentir... dor! 

Nesta hora, Dick Jones, o homem que seria preso diz ao agonizante policial:"O que pensou? Que é um é um policial comum? Você é o nosso produto. E nosso produto não pode se voltar contra nós, pode?" 

Há este trecho no YouTube. Infelizmente, sem legenda. Mas dá para entender bem. Olha só:


Mas acontece que algo realmente sai errado na concepção desse 'produto'. Algo que não foi levado em consideração tanto pelos cientistas quanto pelos homens de negócio: ele Robocop, ele Alex Murphy é humano. Apesar de tudo, apesar da violência em várias esferas como a da própria vida de um policial, das gangues de criminosos, da sociedade, do poder estatal, das corporações sem rosto como a OCP; apesar até mesmo da morte, o espírito, a consciência de Alex Murphy resistiu. Assimilou e superou todos os traumas. Traumas múltiplos em pouco espaço de tempo como o massacre brutal, covarde e até fetichista que sofreu dos criminosos que o 'mataram'; o trauma de estar numa mesa de cirurgia sendo aberto, cortado, picado, entubado e, ao mesmo tempo, vendo a imagem da mulher e do filho misturando-se a dos seus assassinos. E finalmente, o trauma da reconstrução de seu corpo como se fosse um brinquedo de montar e desmontar. Alex Murphy superou o medo, aceitou seu destino, aquilo em que, sem seu consentimento, o transformaram e, então, ele despertou. Sim, ele despertou! Pois ele estava dormindo dentro de si mesmo. Dentro de sua cabeça. Vale aqui lembrar também que tudo o que restou de Alex Murphy foram seus sistemas cardio-respiratório e digestivo (com capacidade limitada de sua função), sua cabeça, rosto e cérebro. Cérebro que foi 'lavado', porém sem sucesso. A humanidade de Alex Murphy resistiu e superou o tecnicismo, o progresso, o futuro. Note que bem ao fim do vídeo que você acabou de assistir, após ser golpeado pelo ED 209, é possível ver um dos olhos de Alex Murphy. Sai o visor do robô e surge a visão do homem, do ser humano.

É realmente emocionante ouvir sua resposta quando lhe perguntam assim: - Policial, qual é o seu nome? - ele deveria dizer 'Robocop', mas ao contrário, ele diz - : - Murphy! E sorri. 
Veja, uma máquina, uma coisa, não pode sorrir! Somente os seres vivos, inteligentes, conscientes, têm esta capacidade (eu juro que vejo meus amigos caninos sorrindo). E o sorriso é algo de uma beleza... Algo tão reconfortante e contagiante. Algo que não se explica. Se faz. E para isso, é necessário um tipo de inteligência, que somente alguns animais podem fazer. E nós, humanos, estamos entre eles (pelo menos até hoje. Volto a falar sobre isso no fim do texto). O poder do sorriso!

A esta altura do campeonato, e do texto, você deve estar se perguntando: 'Tá, tudo bem. Mas aonde é que você quer chegar?" E eu digo: Esta é uma ótima pergunta. E eu respondo: Estamos já há anos, décadas, trilhando este caminho, o caminho das máquinas e não o do homem, o das pessoas. Da Revolução Agrícola em diante, temos 'progredido' rápido e inexoravelmente. Em nome do lucro, postos de trabalho vêm sendo fechados. Em nome da eficiência, da qualidade e em nome da cada vez maior e insaciável demanda, dispensa-se os homens, as pessoas e colocas-se em seus lugares, máquinas. Nesta hora os mais apressados logo dizem: "Ah! Este maldito capitalismo!",mas esquecem-se, de verdade porque nem mesmo sabem ou porque lhes é conveniente, que os sindicatos, antes órgãos que eram os próprios trabalhadores, conscientes de quem eram e de seu valor, são hoje nada mais que um tipo de repartição pública, excessivamente burocrática, com tudo o que há de pior num lugar assim. Afastou os trabalhadores, perdeu o sentido, e hoje, no caso do Brasil, muito por conta de Getúlio Vargas, ou seja, do Estado, apenas assina papéis, não importando se os trabalhadores são lesados, roubados, tripudiados, demitidos. Pois assim mantêm suas regalias medíocres, decadentes. Decadentes como as famílias mais ricas do mundo que vivem do lucro pornográfico gerado pelas miseráveis famílias que vivem em mundos paralelos inimagináveis para a maioria de nós. Até porque vivemos melhor assim, fingindo que o mundo é uma série do NetFlix: sabemos dos problemas, do sofrimento, mas está lá longe, distante, quase uma boa ficção. Nada mais. Tudo o que temos que fazer é 'desligar' que os problemas somem.
As famílias mais ricas do mundo, que não devem passar de uma dezena no máximo, juntam dinheiro de uma forma absurda que sustentará gerações e mais gerações desta mesma família. Aliás, 'sustentará' é só uma forma de dizer. Viverão como herdeiros de uma grande dinastia medieval. Ou seja: ricos, muito ricos, sem terem que fazer absolutamente nada! Estes herdeiros dizem: "O dinheiro é meu!" Eu diria: Não, não é! Pois eles não trabalharam por este dinheiro. Eles têm algo em suas mãos que não lhes pertence. Portanto, é roubo. Todo este dinheiro que chega às mãos destes herdeiros(as) das grandes corporações, com o consentimento do Estado, é fruto de roubo. São, portanto, estes herdeiros e herdeiras, ladrões e ladras. 

E tudo isso, todo este dinheiro, este poder, vêm da exploração do homem pelo homem. Algo necessário para a existência do Estado e do poder econômico. 

Há saída para tal destino trágico? Devemos nos tornar também máquinas frias, que apenas cumprem ordens, diretivas, para vivermos melhor, para não sofrermos mais? Vale a pena a agonia de romper com nossas inúmeras diretivas 4? Tal progresso que surge perante nós todos os dias numa velocidade sem igual vista até hoje, é irreversível? 
Me pergunto pois apesar de todas as mudanças tecnológicas, um determinado grupo de homens, assim como no passado mais distante, continua com um único e mesmo objetivo: enriquecer, ter poder. Então, qual é mesmo o propósito deste tipo de evolução? No fim das contas, me parece, não há evolução nenhuma, em qualquer sentido que busquemos ao termo. 
Bem, talvez a única evolução que obtivemos foi num sentido contrário: o da diminuição do ser humano e de todos os seres vivos e do aumento do valor, aqui num sentido não apenas econômico, das coisas. É isto o que muitos chamam de progresso?

Nossos espíritos terão o mesmo vigor e resistência do espírito de Alex Murphy?

Eu disse um pouco antes que voltaria ao tema 'somente alguns animais teriam a capacidade de sorrir'. Bom, parece que algo mudou. Recentemente, surgiu a androide Sofia. Ela é, pelo que eu saiba, a maior expressão do que chamam de IA (inteligência artificial). Para ser sincero, eu fiquei assustado. Em vários níveis. Um robô que sorri? Consciente? Esse medo que sinto é fruto de minha mente primitiva? Talvez. Bom, se ainda não viu nem ouviu Sofia, veja o vídeo e vá ruminando todas estas informações junto comigo. 
Veremos o que aquilo que chamam de progresso, de evolução, trará para nós. Veremos.

domingo, 22 de outubro de 2017

"Veja bem, não é bem assim"

Relativize a ditadura militar
Relativize os crimes do comunismo (socialismo autoritário)
Relativize os crimes do anarquismo (socialismo libertário)
Relativize os crimes do capitalismo (liberalismo)
Relativize a censura
Relativize os crimes de guerra
Relativize os crimes das religiões
Relativize a matança de animais
Relativize a violência policial
Relativize o assassinato de policiais
Relativize os crimes hediondos cometidos por menores de idade
Relativize o assassinato de criminosos
Relativize os exageros em nome da arte
Relativize a hipocrisia do seu ídolo
Relativize a violência contra muçulmanos
Relativize a violência contra cristãos
Relativize a corrupção do seu partido ou político predileto
Relativize a corrupção do cidadão comum
Relativize a corrupção das empresas
Relativize a violência contra a mulher
Relativize as diversas formas de violência contra crianças
Relativize o Lula
Relativize o Bolsonaro

Relativizemos nossas vidas de merda, para assim conseguirmos pôr nossas cabeças no travesseiro e dormir em paz(?).

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Um cidadão comum não conhece o seu devido lugar, ou: obrigado, Belchior

Não. Não sou, infelizmente, um grande conhecedor do trabalho do Belchior. Azar meu. E seu que está na mesma situação que eu. Mas como sempre digo: "Nunca é tarde demais." E viva a internet!

Belchior, me parece, é mais um daqueles casos de alguém significante, num mundo cheio de pessoas insignificantes. Alguém que está destinado a morrer só. Sendo minoria, mas nunca menor. Nunca!
Esta letra, 'Pequeno Perfil de Um Cidadão Comum'. Ela é toda a explicação necessária de que tudo o que está aí... está errado.  Ela fala tão forte em mim. Me lembro de acordar bem cedo para pegar no batente, ainda garoto, com 16 ou 17 anos. Aqueles ônibus cheios, lotados, ainda cedo. Massas e massas de gente sem rosto, pois o indivíduo é anulado, treinado desde a escola, dentro de casa, para não ter rosto, não ter alma. Hmmm! Fico aqui pensando o quão semelhantes o capitalismo e o socialismo de Estado são. Mas voltando, quando via aquilo, bem, Belchior traduziu bem meu pensamento e sentimento de vazio e angústia da época, e que persiste até hoje:'... feito aquela gente honesta, boa e comovida que caminha para a morte pensando em vencer na vida. Era feito aquela gente honesta, boa e comovida que tem no fim da tarde a sensação da missão cumprida'. Meus olhos se enchem de lágrimas neste momento da mesma forma que ficavam antes, lá nos anos 1990.

Claro, é um ponto de vista. Mas é um ponto de vista que até agora, não conseguiu ser tirado de mim e, acredite, tentaram muito. Eu, inclusive. Mas o caso é que é assim que tudo me parece. Vejo capitalistas e socialistas de Estado, dois lados de uma mesma moeda, numa guerra sem fim. Ambos dizendo que 'o trabalho dignifica o homem'. Ora, a dignidade não vem de trabalho, do trabalho, porcaria nenhuma. A dignidade de alguém está em sua mente e em seu coração. '(...) dignifica o homem!...'. Tanto mal essa ideia, esse pensamento cheio de armadilhas causou e ainda causa. O que nos dignifica é enxergar o outro como um irmão, como uma irmã. E não como um meio para um fim. É entender que somos diferentes e que estas diferenças são uma grande vantagem. Algo que nos tornará melhores. Em homens e mulheres plenos, seguros, que amam uns aos outros. Digno é buscar uma sociedade mais justa sem impôr nada para ninguém. Digno é presar pela Liberdade realmente. Tanto a minha quanto a do outro. Dignidade é não dizer/agir/pensar que 'os fins justificam os meios'. Dignidade é não precisarmos ter/criar inimigos para provar algum valor. Valor! Essas pessoas, hoje à frente dos 3 Poderes ('o poder corrompe...'); dos sindicatos institucionalizados, conhecem apenas valores monetários. É no dinheiro e, principalmente, no poder que o dinheiro proporciona que essa laia fedorenta pensa. Pensam nisso para que você não pense. 'Revoltar-se é dizer NÃO', segundo Albert Camus e antes deste,  Étienne de La Boétie.  Não é fazer quebra-quebra, extravazar energia sexual juvenil da maneira errada. Energia sexual, maravilhosa, tem que ser posta pra fora trepando, certo? Não quebrando coisas por quebrar 'porque estou indignado'. Não há sentido e nem lógica nisso. Ou ainda, essa tolice sem fim do 'cidadão de bem' que vai trabalhar pois 'não é um vagabundo grevista', que o 'país precisa crescer', que 'está fazendo sua parte'. Ora, por favor! Essas são algumas das práticas de um 'cidadão comum'. Percebe?
Precisamos sair do comum, do ordinário. Quão ordinários somos. Somos uma enorme boiada ordinária, uma massa amorfa, como disse Edgard Leuenroth. Sejamos extraordinários!!
Para terminar essa fala para ninguém, digo o mesmo (mais uma vez) que o Belchior: "Conheço meu lugar!" E você, conhece o seu?

sábado, 22 de abril de 2017

Amanhã

Escuro. Frio. Vazio. Profundo. Distante. É assim se você não está aqui. Céu noturno sem a Lua ou um céu que não mais contará com a presença do Sol. É neste vácuo que me encontro por não estar com você.

//Um deus deslocou o eixo da Terra, do tempo, pelo amor de uma mulher.
E graças à ela, enfim, ele tornou-se... pleno.\\


Uma grande conspiração acontece agora. Pois o nosso amor é perigoso. Perigoso demais por ser, dizem, contagioso (é contagiante!). Parece que tudo e todos querem nos sufocar, nos exterminar. O amor, para eles, é o fim.

Sempre será assim?
É provável. Talvez.

                                                    Vamos tombar.

(olhos se encontram. Adeus?)

Hoje, caio.

Estou derrotado, vencido (Estou derrotada, vencida)

Mas amanhã, eu

Me reerguerei por 

Você.


imagem: Demolidor - A Queda de Murdock (Born Again) de Frank Miller e David Mazzucchelli.

sábado, 12 de novembro de 2016

Trump é o Mal. Hillary é o Bem. Ou: episódio de hoje - As mentiras (ou meias verdades) que nos contam desde muito cedo.

"Não ria, não chore, mas compreenda"
Spinoza

Claro, tá tudo muito complicado. Mas será que não foi sempre assim? E como uma espécie de fuga dizemos a nós mesmos 'antigamente era melhor'. Gosto de máximas, como pôde notar. Acredito que são inspiradoras, cheias de sabedoria e graça em tão poucas linhas. Porém, é preciso entender que 'nem tudo que reluz é ouro'. Acredito que temos nossas convicções, claro. E se você acredita em algo, deve lutar por esse algo. O problema, creio eu, é quando a bendita da convicção fica mais real do que as pessoas. Quando o seu, o meu, o nosso conhecimento é maior do que quem está ao nosso redor. Desumanizar o outro facilita muito nosso trabalho para destruir alguém. Seja destruir fisicamente ou emocionalmente. "Se eu não enxergar esse cara como um monte de merda, eu não posso matar ele", ouvi de alguém que sabia do que falava. E é isso mesmo. Tem que retirar toda e qualquer humanidade do seu 'inimigo', senão, você não conseguiria. Não digo matar, fique tranquilo. Sei que você, eu, nós, somos 'pessoas de bem' e/ou 'da paz'. Jamais seríamos capazes de um ato tão bárbaro, não é mesmo?

Acredito não entendermos que as pessoas no mundo todo estão com medo. E cansadas. Daí essa onda de eleger 'não políticos' ("Ele acreditou!" - Seu Saraiva) E como disse um sábio: "O medo leva a raiva, a raiva leva ao ódio, o ódio leva ao sofrimento". Então, antes de levantarmos nossas vozes para xingar de tudo o que é nome os eleitores de Trump (sim, eu também fiquei triste com a eleição de pessoa tão deplorável em suas falas "A boca fala do que o coração está cheio", disse um tal de Jesus, mas Hillary era outra porcaria. Tipo Aécio e Dilma, na minha opinião), tentemos entender o que houve. Como aqui também, em terra brasilis. Se não entendermos que o diálogo, a diplomacia, a boa vontade são a única maneira de vivermos com dignidade; se não tentarmos entender que nossas diferenças não são defeitos, mas antes aquilo que nos define como humanos e que a utopia não é um lugar onde ninguém briga, ninguém discute ou que não existe 'mal', mas sim um lugar onde a tolerância é a principal característica; se não entendermos que nossas posições, ideológicas, religiosas, anti-religiosas e futebolísticas (!) não nos fazem melhor do que ninguém ("a merda de todo mundo fede do mesmo jeito", me falou um mendigo, certa vez); se ao menos não tentarmos compreender por mais sem sentido, absurdo e infantil que nos pareça o pensamento do outro; se não descermos de nosso pedestal, do alto de nossa arrogância, de nossa mania de achar que somos os mais corretos e inteligentes que adquirimos nas faculdades ou de forma autodidata, ou ainda a arrogância que vem dos templos religiosos, nada vai melhorar. Pelo contrário. E a quem interessa esse clima de medo, desconfiança? Para mim, aqueles que detém o poder econômico e que por sua vez detém quem governa o Estado é o grande interessado. Enquanto sentirmos medo, não iremos raciocinar. Se não raciocinamos, fica mais fácil sermos conduzidos por alguém. E esse alguém nos dá uma falsa esperança, que alimenta, dá força ao medo. É uma droga poderosa o medo. E a esperança também. Um monstro, um Leviatã."Um homem sem esperanças é um homem sem medo" e "quando perdemos a esperança, ganhamos coragem". Frases de obras de ficção pop, como a frase do 'homem sábio'. Por isso elas têm menos peso? Não creio. Posso citar novamente Spinoza: "Não existe esperança sem medo e medo sem esperança".


Creio que simplificar as coisas demais é uma fuga dos fracos. É menosprezar a complexidade da vida, dos fatos. Creio também que limitar o mundo há um ou dois ou três pontos de vista é um atestado de óbito para quem pensa assim. Posso estar errado. É evidente que posso estar errado. Mas continuo nesse mundo, da mesma forma que você, que pensa totalmente diferente de mim. O que fazer? Vamos nos agredir, nos matar? Vamos ao ataque contra quem pensa diferente? Todos que pensam assim dizem e realmente acreditam que 'a verdade está ao seu lado', Elas estão certas, convictas disso. “As convicções são inimigas mais poderosas da verdade do que as mentiras”, disse o filósofo e garoto-enxaqueca Nietzsche. Um outro filósofo e também romancista, dramaturgo, ator e goleiro franco-argelino, Albert Camus, falou sobre um 'individualismo solidário'. Formulou tal pensamento num mundo pós-segunda guerra, num mundo dicotômico onde EUA e URSS se digladiavam, sabotavam, humilhavam e matavam quem não se dobrasse ante a bota totalitária ou ao hambúrguer liberal. Ainda estamos nessa dicotomia. De roupagem nova, é verdade, mas basicamente igual. Creio que Camus quis mostrar que se realmente quisermos, coisas aparentemente incompatíveis podem ser, na verdade, complementares. Temos que ter, ao menos, a noção de que podemos fazer essa escolha. Que há outra ou outras escolhas. Entender algo dá trabalho. E nada garante que, de fato, entenderemos. Mas precisamos tentar.

sábado, 22 de outubro de 2016

Um Conto Urbano

Numa sexta-feira de tarde. Avenida Industrial em Santo André-SP. Na altura do Gran Plaza Shopping, um homem caminha com dificuldade. Parece ser tomado por muita dor. Pára. Olha ao redor. É uma tarde ensolarada, agradável. Muitas pessoas passam por ali. Ele olha ao redor, mas ninguém olha para ele. Sentindo que vai cair, que não tem mais forças em suas pernas, agarra-se à grade de ferro do shopping. E fica ali, parado, de olhos fechados, pensando no que fazer. Sentindo dor. Todos passam por ele.
- Será que ele tá passando mal? (ouve-se a voz de um homem, distante) Ele tá passando mal! (insiste a voz) Ô, vai lá! (continua a voz do homem. Ele mesmo 'vai lá').
- Você tá passando mal? É coração?
- Não, não é coração. São minhas costas.
- Quer que eu chame uma ambulância?
- Não precisa.
E as pessoas passam por eles.
- Senta ali no ponto.
- Eu preciso dar um tempo aqui pras forças voltarem. (ele sente um forte odor de álcool vindo do homem)
- Quer que te segure, uma massagem?
- Não, amigo, não precisa. Obrigado. Só preciso de uns minutos.
Passam os tais minutos. A força volta. Dá para caminhar até o ponto de ônibus e sentar-se no banco. O sujeito prestativo está sentado.
- Senta aqui, cara. Tá melhor? (ele agora se dirige para um casal de idosos que também está no ponto de ônibus) Ele passou mal. ´Cês viram? (o casal o ignora)
- Tô melhor sim, mano. Valeu! Muito obrigado por sua ajuda.
- Que é isso. Você é ser humano. Tava passando mal, eu vi, tinha que fazer o quê? Ajudar, né? (nisso, pega uma garrafa de Fanta misturada com vodka que está dentro de uma sacola plástica do Extra. O homem está alcoolizado)
- Tá certo. (sorri) Prazer. Douglas.
- Anderson. (apertam as mãos)
E as pessoas continuam passando.