domingo, 26 de julho de 2015

Conjugar você


As ruas vazias, as casas vazias, os parques vazios. Os shoppings cheios, os condomínios cheios, os ônibus cheios, os carros que enchem. Sim, o saco.

É, sou bem rabugento. O quê que eu posso fazer? E sabe o que é pior? Você não está aqui. Eu tenho andado tanto. Sempre andei, não é? Mas o que posso fazer?! Sabe que estou sempre buscando entender, algum sentido.

Sentido. Eu perdi o meu sem ter você ao meu lado. O tal caminho ficou mais espinhoso, dolorido. Não. Desculpe. É exagero. É... Ha! Ha! Ha! Sou exagerado. Sempre! Exagero nas queixas, nas broncas, na cobrança. Mas também exagero no amor, na doação, na entrega. Lembra? É claro que lembra. Olha como você ficou vermelha. Tão bonita e macia a sua pele. Eu me lembro.

Lembrar. Taí algo que é uma faca de dois gumes. Sem dúvida que as coisas boas sempre estarão lá, no fundo da memória. Aquelas lembranças que te fazem rir em qualquer momento e em qualquer lugar: na fila do pão, na fila do ônibus, na máquina da linha de produção, no escritório ou numa simples caminhada. É tão bom! Sorrir simplesmente por que naquele momento, naquele microssegundo do infinito onde no mundo acontece um monte de coisa ao mesmo tempo (e nem sempre são coisas boas) você pode sorrir por causa de uma lembrança que te traz felicidade. É preciso tão pouco para ser feliz. Ao mesmo tempo, as lembranças podem te cortar, te machucar, te estraçalhar. Já dizia um antigo mestre: - "Memória é foda." - e é mesmo. Imagens que vem rápidas como nesses filmes vagabundos de ritmo clipeiro, enlatados de Hollywood. Ou então (pior, eu acho) lentas, longas, panorâmicas, onde dá pra sentir cada minuto, observar cada detalhe e tirar muitas informações naquele minuto visto, como num filme europeu ou asiático. É lindo, mas dói demais. Tenho vontade de dizer que não quero.

Querer. Eu quero sempre mais e mais! Não posso acreditar que possa ser apenas isso. Não! Não posso e não quero. Eu sou Prometeu e irei até o Olimpo pegar a luz e o calor do fogo libertador. Eu sou Eva e quero ter o conhecimento do Bem e do Mal. Pego apenas aquilo que me foi oferecido. Nada mais. Nada menos. Hah! Que joguinho filho da puta!  Como é mesmo aquela fala em Advogado do Diabo? Ah! Lembrei: - "Olhe, mas não prove. Prove, mas não experimente. Experimente, mas não engula." - está tudo aí. Quando Prometeu foi ao Olimpo, Zeus sabia o que poderia acontecer. Deixar um Titã à solta não poderia dar certo nunca. Para ele, Zeus, claro.  Sinceramente não sei o que Prometeu realmente queria. Se era dar liberdade, autonomia, aos homens ou se simplesmente já maquinava algo contra os olímpicos. Afinal, quem já experimentou o poder nem sempre consegue esquecer. A vaidade, como disse o diabo no filme já citado, é seu pecado favorito além de ser a mais poderosa das drogas.
Por quê tô dizendo isso? Porque desde que te encontrei penso em você. Sinto falta de você. Posso viver sem você? Claro! A questão é que não quero. Entende? Eu não quero, não admito, estar longe de você. Sou um Titã, sou mais eu, mas você é a droga mais potente, mais absurdamente viciante que já experimentei! Percebeu quantas vezes eu disse "você"? Quero te amar.

Amar. Sentir tua boca, teu hálito doce, tua pele cheirosa e macia. Tua língua que invade minha boca sem pedir licença e depois se esparrama pela minha cara. Nunca gostei de fazer apenas sexo. Não. Gosto de fazer amor. De dar e receber da outra pessoa. Não somos coisas. Somos gente e sendo assim dou o meu melhor quando estou com alguém. Me abro pra receber e dou o que tenho. Olhos nos olhos. Os olhos entregam. Você, por exemplo. Quando fazíamos amor (sempre fizemos amor e não sexo) eu era transportado para outra realidade. Um outro mundo se abria para mim. Uma alteração na minha consciência acontecia e de repente eu estava voando! Nós estávamos. Sei que o mesmo acontecia contigo. Não é? Seu sorriso já diz tudo. Não precisa responder. Tudo isso num "simples" olhar, que entregava, que dizia: - "Sou tua. Seja meu!" - Ah! Felicidade! E eu dizia com a alegria tão comum aos garotos: - "Sou teu. Seja minha!" E esse medo que as pessoas têm do olhar? Nossas vidas seriam tão mais proveitosas e ricas com a entrega no olhar. Noto o olhar de tudo e todos. Dos cães e gatos bem cuidados e daqueles que sofrem nas ruas. Da mesma forma, percebo os dois tipos de olhares das pessoas. Mas há uma diferença: o olhar dos animais irracionais é espontâneo e está, de um modo ou de outro, muitas vezes, por conta de fatores externos. O dos chamados animais racionais (eu rio dessa mentira) é fruto, muitas vezes, justamente, dos fatores internos, da falta de espontaneidade. Terrível. Ser espontâneo é um crime... Chega disso! Prefiro falar de nós, que fugimos dessa prisão maldita chamada "faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço". Prefiro falar de nossas pulsações. Sempre estiveram numa mesma batida, num mesmo movimento. O nosso fazer amor era assim: um bailado, uma dança de Laban, pois o nosso fazer amor era "uma experiência básica da existência". Forte, suave, suado, lambido, mordido, gritado, nosso mundo expandido pelo meu pau e pela sua buceta. Por fim, ofegantes, cansados, porém, revigorados, sorriamos um ao outro. Não dizíamos nada. Não era necessário, não é? Nossos olhos marejados já diziam tudo. Davam a medida daquele ato sacro-profano cheio de uma beleza incompreensível. Tenho saudade.

Saudade. Dizem que é uma palavra única, só nossa aqui do Brasil. Que provavelmente foi criada para traduzir a dor que os marinheiros portugueses sentiam por estarem longe de casa. Achei bonito. Vi na Wikipédia. Ha! Ha! Mas o que vale é que essa explicação é realmente bonita. Como você. Tenho tanta saudade!... E você? Também sente? Pode responder. Onde você está? Por favor (nome dela), responda!

Um homem velho, parado em frente a uma lápide, fala com ela, a lápide.