domingo, 15 de novembro de 2015

Quando a escolha é não ter que fazer uma escolha

Um ladrão quase foi linchado nas ruas do centro do cidade do Rio; o distrito de Mariana, em Minas Gerais, praticamente sumiu de baixo de lama; a cidade de Paris, na França, sofre mais uma vez com atentados terroristas.

Notícias terríveis que, para mim, demonstram facetas terríveis, mas verdadeiras, do ser humano. Vamos tentar ver esses fatos que a princípio não tem nenhuma ligação, mas que, na minha visão, tem sim.
No primeiro, uma demonstração da barbárie. Um quase linchamento de um ladrão, negro, por parte de pessoas comuns que, ao que parece, tentaram, com este ato, fazer justiça, e assim, acabar com a injustiça. Sem dúvida, uma tragédia.
No segundo, mais uma demonstração de barbárie. O rompimento de duas barragens de rejeitos de uma mineradora (Samarco) devastou uma parte da área central do estado de Minas Gerais, matando homens e animais, destruindo casas e o ecossistema. E segue implacável para o estado do Espírito Santo. Sem dúvida, uma tragédia.
No terceiro, outra demonstração de barbárie. Terroristas, extremistas islâmicos, mataram centenas de pessoas em Paris, capital da França. Justificam seu ato como a defesa dos direitos dos muçulmanos e estabelecer o reino de deus na Terra. Sem dúvida, uma tragédia.

Uma coisa que sempre me chama a atenção é a maneira seletiva que temos para eleger aquilo que é mais importante. Obviamente me incluo nesse 'temos'. Acredito, que esse nosso termômetro de relevância esteja intimamente ligado ao que a Imprensa (TV, rádio, jornais e, claro, internet) determina o que é relevante. No 'livre Ocidente', temos livre direito para ler, ver, ouvir, experimentar, vestir e demais verbos de ação desde de que alguém tenha lhe dito como agir. Edwardy Bernays manda um abraço! Com a informação não é diferente. Randolph Hearst manda outro abraço!

A informação, provavelmente, é uma das mais importantes armas, uma das maiores fontes de controle que o Homem tem. Controle sobre quem? Sobre o próprio Homem. Quem tem a informação, controla aquele que irá recebê-la. E aquele que irá recebê-la, torna-se dependente de quem tem a informação. É. Lembra muito a relação traficante-dependente. Mas diferentemente da relação traficante-dependente, nossa relação com quem nos passa as informações pode ser invertida quanto a quem manda, a quem é o dominante. Principalmente em tempos de internet e da chama da mídia alternativa. Claro que não é tão simples. É preciso, antes, libertar-se. E para isso é preciso querer. E para querer libertar-se é preciso saber que está preso. E para saber que está preso é preciso conhecimento. E para obter conhecimento é preciso ir além, muito além da informação que nos chega pela TV, rádio, jornais, internet (por meio de Facebook, blogs ou de uma rápida pesquisa no Google, por exemplo).
A informação que nos chega, não passa de um ponto de vista de quem a passa. Pode estar correta ou não. Pode ser espontânea ou não. Pode servir a interesses, ou não. Uma informação, qualquer que seja, não significa, necessariamente, conhecimento. Como tudo nessa vida, é necessário um tempo para que tenhamos um melhor entendimento das coisas. Não é simples. Desde seu surgimento, a Imprensa torna-se mais e mais veloz. Da mesma forma que o mundo. Que a vida. Tempo é uma palavra cada vez mais fora de moda. Ou melhor, tornou-se um bem precioso. Um conceito distante e inatingível. Parafraseando Cecília Meireles: 'Tempo é uma palavra que o sonho humano alimenta...'
Não há tempo para nada, apesar de o desejarmos. Apesar de entendermos que ele é vital, necessário.
Para se avaliar uma informação é preciso de tempo. Por menor que seja. E a 'ditadura' desses tempos modernos não permite isso. Dia desses, caí nessa armadilha. Vi um post sobre uma feminista extremista e embarquei de primeira nesse barco furado. Na verdade tratava-se de alguém tentando manchar a imagem da feminista (que não é uma extremista). Pisei na bola.

Há um tempo, os linchamentos pelo Brasil causavam furor, indignação, apoio, discussão. Hoje, ao que parece, não mais. Vi essa notícia ocorrida no Rio de Janeiro enquanto assistia à Band News. Imaginei que logo haveria mais discussões sobre linchamentos. Que nada. Fiz uma pesquisa e vi em mais dois sites que compartilham notícias e um de uma rádio gaúcha. E só. No Facebook, não vi nada sobre. Fiquei chocado, mas não surpreso. Afinal, é notícia velha. Era apenas um ladrão, um preto ladrão. As pessoas não se importam mesmo. Virou 'lugar comum'. Não rende. Entenda esse 'rende' como quiser.
Há mais ou menos três semanas, estouraram as barragens em Minas. Uma desgraça sem precedentes. Ouvi sobre, na mesma noite do ocorrido, enquanto ia trabalhar, pela rádio CBN no programa apresentado pela Tânia Morales. O chefe dos bombeiros já alertava sobre o grande prejuízo ambiental (lama tóxica) e claro a perda de vidas humanas e de outros animais. No decorrer dos dias, as notícias apareciam. Porém, com menos frequência e com muito menos ênfase que o necessário. Ouvi jornalistas/radialistas de nome como José Paulo de Andrade, da rádio Bandeirantes, na apresentação do lendário programa 'Pulo do Gato', dizendo que "a investigação sobre possíveis culpados deveria ser deixada para depois e que os cuidados com as vítimas deveria ser a prioridade". Para mim, AS DUAS COISAS devem ser feitas AO MESMO TEMPO. Nada mais, nada menos. Aí sim, houve discussão na internet. Daí, aconteceu Paris.
Novamente, o maldito 'EI' matava pessoas aos montes. Prática comum dos fanáticos. Nem sempre divulgada da mesma forma, sabe? Claro que houve uma grande repercussão, ainda há, sobre essa outra desgraça. As redes sociais só falam nisso. As pesquisas no Google, idem. E este atentado desencadeou a terrível, mas nada nova, bipolarização da internet e, consequentemente, na vida de muitas pessoas.
Como escrevi no começo do texto, esses três fatos são tragédias. São fatos que mostram o inevitável caminho da morte. A morte em si não é o problema. Pois, como você bem sabe, todos morreremos. O problema é que em todos os casos o fator humano, o fator dignidade e o fator 'o que é certo' foram deixados de lado nessa equação. Os três casos mostram, como já disse também, o pior que há em nós. 
  • Como foi mostrado no primeiro caso, somos assassinos em potencial. Basta a circunstância e a motivação (por mais fútil que seja). E nos distanciamos, pois não há empatia com aquele que poderia ter sido morto pelas mãos dos chamados 'cidadãos de bem';
  • No segundo caso, vemos como somos avarentos e altamente gananciosos. Não importam as consequências. O que importa é o lucro. Tanto do corruptor quanto o do corrompido. Em português bem claro, o lucro da empresa (corruptor) e do governo (corrompido). Mas pra dizer a verdade, não sei bem quem corrompeu quem nesse balaio;
  • E no terceiro caso vemos de modo sangrento, como em praticamente toda a História  humana a maneira como o fanatismo religioso nos leva a cometer atos irracionais. E não venha com esse papo de que é 'coisa de muçulmano'. As religiões abraâmicas (não somente elas), através de fanáticos, são ótimas para promoverem esses massacres. A História está aí para mostrar.
  • Quero listar mais uma de nossas piores características. Além de potenciais assassinos, terrivelmente gananciosos e fanáticos religiosos somos também manipuláveis.
Diante disso tudo, dessas informações, talvez você pense: "Mas temos que escolher uma. Infelizmente, é assim. A tragédia tal é maior, mais importante que aquela outra". E eu digo: "Não, não é". Como podemos pesar a importância da vida de um para com a vida do outro? Podemos mesmo fazer isso? Já parou para pensar? E já parou para pensar porque nos impomos esse tipo de questionamento? A quem interessa isso? Por que uns valem mais que outros? Por acaso adotamos, sem contar a ninguém, um dos aspectos mais execráveis do hinduísmo, o sistema de castas? Vamos nos perguntar o porquê esse e não aquele! Agora, não vamos ficar nos atacando, disputando, qual filtro é mais relevante colocar no perfil do Facebook. Que cada um ponha o seu por acreditar que tal fato é relevante, porém sem esquecer que aquele outro também o é. Voltemos nossos olhares, nossa indignação aos que nos abastecem com a droga chamada informação. Essa 'farinha' tá vindo com pó de giz. Não aceite apenas a informação que lhe chega. Ela é uma parte pequena de um todo. E pode ainda estar distorcida pela visão de quem lhe entrega. Junte à informação sua experiência de vida. Por mais jovem que você seja. Tenha uma experiência com as pessoas. Essa experiência se obtêm de muitas formas. Acredito que o relacionar-se com o próximo é uma das formas mais interessantes e eficazes. Relacionar-se com o meio-ambiente também. Mesmo que seja de concreto. Não importa, desde que seja o seu ambiente. Precisamos domar o tempo. Ele não pode estar tão distante de nós. É isso que ELES querem. Se você não tem tempo para nada, logo não terá tempo para pensar. E sem tempo para pensar... Bem, complete a frase. Tenha tempo! Crie tempo! Abra mão de coisas que, se você parar para pensar, não valem a pena. Não de verdade. Acredito que assim, com tempo, podemos analisar, avaliar e então agir da melhor forma possível. Alguém escreveu, um artista de circo, que as coisas que realmente valem a pena nessa vida, levam tempo. E assim, quem sabe, possamos perceber que na verdade não temos que selecionar, que não podemos selecionar. Que há outras escolhas. Que devemos nos unir e não nos dividir. Já diz um antigo ditado: 'o apressado come cru'.
Esse texto está com a minha visão. Não poderia ser de outra forma, acredito. E a sua visão, qual é?