sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Prisma

Não ouço nada. Vejo tudo. Sinto tudo. Não preciso ouvir. Vejo sem olhar. Sinto tudo. Não consigo evitar o golpe dele. Na boca do meu estômago. Na minha cara. De novo. De novo! O gosto de sangue. Meu sangue. Agora não ouço e também não vejo, mas sinto o frisson da plateia. Quando meu sangue cai no ringue eles também sentem. E gostam. Para eles, cada gota que perco é o equivalente a um orgasmo. Por isso estão aqui. Pelo êxtase! Pelo tesão. O meu sangue excita a plateia. O cheiro de nosso suor misturado ao sangue deixa os homens de pau duro e a mulheres ficam com as xotas molhadas. Lindo!

Determinação. Essa é minha vida. Não é? 

Acerto dois golpes nele. No baço. Ele se contrai. Me encara com fúria. A Fúria nos alimenta. ME alimenta!
Que sou eu sem ela? Nada! Um grande nada. Um merda invisível no meio da multidão. Na vida lá fora, as mulheres riem de mim. Os homens me humilham. E não posso fazer nada. É contra 'as regras'. Lá fora, nesse jogo de reis, não passo de um maldito peão! Um escarro, um aborto. 

Mas aqui!... Ah! O ringue é MEU tabuleiro. Aqui eu sou o rei. Aqui EU SOU DEUS! 

As mulheres me desejam, os homens me invejam. As mulheres querem me sentir. Alguns homens também. Eu possuo a todos. Seus corpos (e suas almas) me pertencem. Tanto na foda, quanto no ringue, eu domino a situação. 

Graças à Fúria.

Eu preciso dela!


De seu toque, de seu sussurrar. Quase sinto sua língua em minha orelha... Sinto seu perfume, sua mão pequena e macia passeando por meu corpo, sua coxa roçando na minha. "Ataque!", ela diz. “Eu quero sangue. O sangue dele. Você não quer?” 

"Quero!" 

Então eu ataco meu adversário. ATACO! ATACO! ATACO! Bato com força. Na cara. NA CARA! Quebro seu nariz. Acerto seu estômago. Ele geme. Mas não se rende. Me encara. A Fúria gargalha, mas apenas eu posso ouvir. Sim, eu ouço. Ela geme de modo lascivo. Bato mais e mais na cara de meu oponente. Seu rosto se torna uma massa disforme. Ele cai. Finalmente. Não levanta. Não pode.

Nunca mais.

A Fúria explode num gozo. Se contrai, relaxa. Está saciada. A plateia também. Por hoje. Por mais uma noite. Agora, ouço e vejo a tudo e a todos. Mas não sinto nada. Não posso. É assim que sinto. É assim que vejo.

É assim que as coisas são.