quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Meu bairro está mudando. Que pena...

Hoje, caminhando por meu bairro, Jardim Utinga, pude constatar algo que passou certa vez por minha cabeça e que ainda não tinha dado a devida importância: ele está mudando sua cara.

No lugar de suas casas dos anos 50 e 60, estão chegando com força total os insípidos sobrados padronizados. Uma pena. Lembrei de quando tinha 10 ou 11 anos e voltava para casa após as aulas na Escola Adventista e "trombava" no caminho com dois gentis senhores de nomes João e José (parece combinado, né?). 

Um morava de frente para o outro. Ao fim de tarde, ficavam nos respectivos portões, em seus quintais de bom tamanho.

Eu ficava na calçada e conversava com ambos. Era um bom papo. Mesmo! Coisa de antigamente. Quando ainda dava para bater papo naqueles fins de tarde em que o sol está se pondo e o ar é quente e agradável.

Hoje tudo parece mais distante e frio. As pessoas não são mais prioridade. Suas casas-fortalezas, sim.

Ainda dá para lembrar. Tenho que cuidar para não esquecer.

O que me deixa mais chateado é a sensação de que tudo muda, mas não cuidamos para justamente não esquecer. Já que mudanças são inevitáveis que não esqueçamos como tudo era. De onde saiu e como chegou até aqui.

Nossa identidade deve ser mantida. Lembrada. Preservada. Com carinho e orgulho. Cada casa tem uma história. Se suas paredes, tijolos, pudessem falar...

As expectativas, os sonhos, os medos de seus construtores! Que material rico teríamos.

Pois uma cidade, um bairro, é feito por isso: seus moradores. E seu legado, as casas, são a personificação daquilo que são, daquilo que eram. Está longe de ser apenas pedra, tijolo, areia e cimento. Ali tem suor, lágrima, tristeza, alegria.

Foi assim que me senti quando vi naquele Google sei-lá-o-que onde se vê sua rua, e tudo mais, minha antiga casa em Guaianases, Zona Leste de SP. Minha infância foi praticamente naquela casa. Lembro de muita coisa! Principalmente do zelo que meus pais tinham por ela. Foi uma grande conquista para ambos. Somente os dois para descrever o quanto de suas vidas dedicaram àquelas paredes e teto.

Mas quando vi sua imagem pela internet não se parecia em nada com o que me lembrava. Estava feia, maltratada, largada. Confesso que precisei segurar as lágrimas. Parece um pedaço da gente que ficou por aí.

Acredito que cabe esse poema de Tânia Menezes, Adeus, Velha Casa. 


ADEUS, VELHA CASA
Deixo contigo sonhos d’infância
E o espírito adolescente
Nunca mais tu serás a mesma
Nem ouvirás minha voz
Nem colherás meu pranto em teu orvalho
Não trocaremos confidências
Meus segredos guardarás
O telhado desfeito suspira liberdade
Adeus, velha casa
Irás comigo aonde eu for
Caminharemos de mãos dadas
Pelos jardins do eterno mistério
Não temos mais pecados
Cessaram angústia e dor
Estamos livres do inferno
Levarei comigo teus ares de palacete
Teu orgulho emparedado
Cada um de seus tijolos no chão arremessado
É pétala de miosótis desfolhado
Adeus, portas e janelas
Adeus feridas do reboco
Fujam os pássaros
Busquem outros alvoreceres
Adeus, velha mangueira
Não te ouvirei, se acaso gemeres
Não conversaremos eu e tuas folhas
Calará a brisa sobre tua copa
De incansável verde
A renda do bambu descendo pelo muro
As folhas da pitangueira brilham lágrimas no escuro
O limo narra histórias invernais
Anjos em ciranda na sala de visitas
Chora chuva
Não voltarei
Nunca mais
Adeus, velha casa
Rainha exposta em classificados de jornais
Todos agora te olham, te invadem
Tu és minha, casa amiga do passado
Ainda carinhoso me abriga teu corpo longo e cansado
Eu sou você, alma e imagem
Ouves meu coração
Oras comigo
Conheço tua linguagem
Adeus, velha casa
As bicas em pranto desesperadas
Me convidam a ficar
Aqui, no pátio, pensando,
Pensando
E o pensamento virando mar
Passa correndo a menina
Segue um barco de papel
Adeus! Adeus!